LAGOA DE MONTANHAS

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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

CHICO ANTONIO: HÉROI COM CARÁTER

"Já viu como é o coco, major?". A pergunta que Chico Antônio, exímio embolador e coquista potiguar, dirigiu ao cineasta Eduardo Escorel  já completou 30 anos desde o momento em que foi registrada no documentário "Chico Antônio, um herói de caráter", filmado em 1982, lançado em 83, e reexibido quarta-feira passada, no Teatro de Cultura Popular, dentro da programação audiovisual do Agosto do Alegria.   
Alex FernandesSala do TCP recebeu está semana diretores como Eduardo Escorel e Lírio FerreiraSala do TCP recebeu está semana diretores como Eduardo Escorel e Lírio Ferreira

A exibição do filme, além de reviver um momento histórico da cultura potiguar, também proporcionou uma discussão sobre o estado da produção de cinema documental no Brasil - assunto comum ao longo roteiro profissional do paulista Escorel, que já trabalhou com Glauber Rocha, Eduardo Coutinho e João Moreira Salles, e foi premiado no Festival de Gramado.  Após a exibição do filme,  o diretor conversou com a plateia, formada por contemporâneos de Deífilo Gurgel, estudantes de cinema e curiosos. A conversa se dividiu entre o tema do filme, experiências de Escorel com o coquista, e perguntas técnicas sobre a produção.

INSPIRAÇÃO FOI O MODERNISTA

"A princípio, meu interesse pelo documentário vinha mais do testemunho de Mário de Andrade do que por alguma ligação com o Rio Grande do Norte", confessa Eduardo Escorel. O intelectual modernista conheceu Chico Antônio em 1928, por ocasião de uma visita ao Estado, a convite do  jornalista e crítico de arte Antônio Bento de Araújo Lima. Mário de Andrade ficou hospedado na Fazendo Bom Jardim, em Goianinha, onde Chico Antônio trabalhava e já era coquista renomado. Os versos do embolador potiguar marcaram Andrade. "A voz dele é quente e de uma simpatia incomparável. Estou divinizado por uma das comoções mais formidáveis da minha vida", escreveu. A experiência potiguar de Mário de Andrade foi registrada no livro "Turista Aprendiz".

Alex FernandesNo extenso currículo de Eduardo Escorel como editor, estão filmes como Macunaíma e Terra Em Transe e Santiago, além de um prêmio em Gramado com o filme Lição De Amor.No extenso currículo de Eduardo Escorel como editor, estão filmes como Macunaíma e Terra Em Transe e Santiago, além de um prêmio em Gramado com o filme Lição De Amor.
Eduardo Escorel já havia feito um trabalho em cima desse livro, e o nome de Chico Antônio não lhe era de todo desconhecido. Casualmente, no final dos anos 70, entre um trabalho e outro, ele soube que Chico Antônio ainda estava vivo. O renomado designer Aloísio Magalhães já havia lhe falado sobre o talento do coquista potiguar, e o interesse de evidenciar isso. "Pouco tempo depois, o Aloísio faleceu na Itália, e eu fiquei com aquele compromisso na cabeça. Comecei a fazer os contatos para isso", lembra.

Através de contatos com a Fundação José Augusto e, principalmente, Deífilo Gurgel, o cineasta paulista foi conduzido à casa de Chico Antônio em 1982, no município de Pedro Velho. A simpatia, humor e agilidade verbal do coquista conquistaram Escorel da mesma forma que fizeram com Mário de Andrade há 54 anos. O trabalho concluído em 83, incluindo a troca emocionada de mensagens  entre Antônio Bento (no Rio de Janeiro) e Chico Antônio.

O filme, de 40 minutos, tem edição simples, e a narração de Ferreira Gullar situando os fatos e as citações de Mário de Andrade. Uma das mais emblemáticas: "Na pancada do ganzá, Chico Antônio vai fraseando com uma força inventiva incomparável. O que canta em pleno sonho não se sabe se é música, se é esporte, se é heroísmo". O ganzá que o coquista deu a Andrade em 1928, foi reapresentado a ele anos depois por ocasião do vídeo.  A música não para. 

CARREIRA

"Chico Antônio" é um trabalho quase desconhecido dentro do extenso currículo de Eduardo Escorel - que já produz desde meados dos anos 60. O cineasta - que editou "Macunaíma" e "Terra em transe", e ganhou o prêmio de melhor diretor no Festival de Gramado em 1976, por "Lição de amor" -, entende que o documentário ainda ocupa um nicho à parte dentro da filmografia nacional. "O documentário ainda é visto como algo para um público restrito, particularmente no Brasil. Quase não tem espaço no circuito comercial, pouca gente vê. E também é difícil de ser exibido na televisão, ou só direcionado para canais a cabo", afirma.

A questão, para ele, não tem uma razão fácil de determinar, mas pode vir a ter consequências nefastas. "Esse fato pode vir a inviabilizar os investimentos nesse tipo de cinema", diz. Escorel ressalta que é preciso prestar atenção nos mecanismos atuais de divulgação. Apesar dos 'docs' ainda não terem um enfoque comercial, surgiu toda uma cultura própria em volta deles nos últimos quinze anos, segundo o diretor. "Há revistas, festivais, cursos, sites, blogs e tudo mais voltados para documentários. Acredito até que este seja um dos setores mais vitais e criativos dentro da atual produção nacional", explica.

Eduardo Escorel não acredita numa função social "doutrinadora" do documentário. "Todos nós temos papéis sociais. Mas na arte, não deve ser confundido com a intenção de ensinar ou convencer alguém de alguma coisa. Acho que o papel do documentário é apenas satisfazer sua própria curiosidade pelo real, e procurar entender e compartilhar essa experiência de entendimento com o público", afirma. Há uma relação familiar com o jornalismo, no sentido do registro isento. "O documentário tem uma zona comum com o jornalismo, apesar de os objetivos serem diferentes. Enquanto o jornalismo deve ser fiel aos fatos e informar, o documentário tem mais liberdade, podendo criar uma visão menos objetiva que aquela do jornalista", conclui.

Serviço: Próximo encontro audiovisual:  Mostra de Cinema, Memória e Cultura Popular, de 20 a 22/08, no auditória da CBTU, Ribeira. Horário: 18 às 20h.

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