Tentaram esconder dela a recente prisão do filho mais velho. Teimosa
que só vendo, escavacou dali, espiou acolá, até dar de cara com a
verdade. Estamos falando de Maria Laiz Nobre Guimarães, mãe de José
Genoino (PT), condenado a seis anos e 11 meses de cadeia por
envolvimento no mensalão. A professora aposentada, de 87 anos, faz
questão de deixar clara sua dor. “Já fiz um bocado de coisa. Mas de
tanto sofrer, eu não sou mais ninguém”.
De
bengala na mão e olhar muito vivo, dona Laiz aparece como uma das
personagens principais dessa jornada pela Vila Encantado, em
Quixeramobim. Foi lá que o ex-deputado nasceu, iniciou os estudos,
trabalhou na lavoura até largar a enxada e ir em busca de voos mais
altos. Um pedacinho do sertão que guarda muito da memória do
ex-presidente nacional do PT. Lugar ainda perplexo diante dos últimos
acontecimentos envolvendo um dos filhos ilustres.
Um
dos poucos que ainda não sabe do acontecido é Sebastião Genoino
Guimarães, pai do ex-deputado. Aos 91 anos e bastante debilitado- há
pouco se submeteu a uma delicada cirurgia -, ele é preservado de
qualquer notícia que possa agravar seu quadro. Atualmente, alimenta-se
via sonda, e pouco fala. Na sala ao fundo, sob uma penumbra, recebia os
cuidados de uma enfermeira. E lançava olhares perdidos para além da
porta.
Na varanda, antes mesmo de ser provocada a tocar no
assunto, Laiz partiu em defesa dos filhos que, para sua decepção,
enveredaram pelo rumo da política. Além de Genoino, que fez carreira em
São Paulo, viu José Guimarães se tornar deputado federal pelo Ceará e
líder do PT na Câmara.
Maria Laiz Nobre Guimarães, mãe de Genoino se exalta e se emociona ao falar do filho preso
“A gente tinha um açude muito grande,
tinha 10 vacas leiteiras, um posto de gasolina, tinha uma cisterna, tudo
ao redor de casa, mas os jornalistas vieram do nada e acabou-se. Mas a
única coisa que eu tenho a dizer pra vocês é que são dois deputados
pobres (Guimarães e Genoino). Eu tô contando que eu já passei por muita
coisa difícil. De ficar sem dormir. Esse aqui (aponta para o marido)
mandava eu ir dormir, naquela arrumação que fizeram com o Guimarães. E
não era perseguição, não? Não dava pra eu ter nervoso, não? Mãe é mãe!
Ficar noites sem dormir, sem saber como é que estão os filhos, pelo
mundo de meu Deus”.
Vergonha e decepção
Não
muito longe dali, no entanto, as opiniões já são divergentes. Para
alguns, houve injustiça contra Genoino e a admiração permanece a mesma.
Para outros, impossível esconder a vergonha e a decepção. Houve também
quem preferisse o silêncio. Melhor não falar sobre assunto tão
espinhoso. “Rapaz, aqui é um comentário medonho! Como é que pode, né?
Sujar o lugar, um lugar tão bom como esse. A gente se admira, porque não
era pra acontecer uma coisa dessa. O cara já ganha tão bem. Mas tem
gente que não se contenta”, critica o agricultor Antônio Luiz Ribeiro da
Silva, 66 anos, sentado à beira da CE-166. Construída, segundo
moradores, graças à influência de Guimarães. Antônio relembra o momento
em que Genoino apareceu na TV com o punho erguido, quando se entregava à
Polícia Federal. “Eu não tinha essa coragem, não. Atitude de gente
descarada. E vai morrer negando”, completa. Logo em seguida é
interrompido pelo amigo Francisco Valdir Maia, agricultor de 63 anos.
“Rapaz, tem gente que é ladrão de primeira. Não vê aí o (Paulo) Maluf.
Mais ladrão que a peste e não tá preso. Não pode ser assim”, comenta.
PAI DOENTE
Foi
por meio da entrevista com seu Zé Amaro que ficamos sabendo que o pai
de Genoino estava muito doente. Diante da fragilidade, os filhos
optaram por esconder dele a prisão do primogênito. Os canais de TV
agora são selecionados. A residência dos Nobre Guimarães ficava dali a
poucos metros. Mas, diante da informação, resolvemos ser mais
cautelosos e procurar uma das filhas que ainda mora na região: Laí
Guimarães. A esperança era que ela poderia nos levar até lá, evitando
causar qualquer transtorno.
O NÃO DE LAÍ
Antes
de deixarmos a escola, Laí veio ao encontro da reportagem com um
pedido: não ir à casa dos pais nem procurar o irmão, que mora próximo
deles. Devido à idade avançada e à saúde debilitada de ambos, ela ficou
com receio de que eles pudessem se alterar. A solicitação foi
cumprida em parte. Decidimos ir à residência de Geovani. Deixamos o
carro do O POVO a alguns metros de distância e seguimos a pé até a
morada cuja entrada chama atenção pela grama bem verde.
QUEDA
O
clima pesado na conversa com Geovani só foi dissipado depois que a
repórter fotográfica Iana Soares tropeçou em um batente e caiu sentada
no chão. “A menina caiu aqui, Valdete. Traga um copo d’água pra
menina, Valdete”, aperreou-se, pedindo ajuda à esposa. Entre risos e
ironias, o homem sisudo foi abrindo o coração.
SIM DE GEOVANI
Na
despedida, cientes do estado em que se encontravam Laiz e Sebastião,
perguntamos se poderíamos ao menos fazer uma visita a eles.
Surpreendentemente, o filho Geovani atendeu ao nosso pedido, com a
condição de que não mencionássemos a prisão de Genoino. Antes, outro
aviso: “Se eu me meter em boca quente vou lamber uma rapadura até achar
vocês”, disse, em tom de brincadeira.
TENSÃO E RISOS
Para
tentar quebrar a tensão que marcou o início da visita à casa de Laiz,
tentou-se até mudar de assunto. Falar da chuva, ou da seca. Não
adiantou. “O que eu já passei todo mundo sabe, né? Com tanta mentira,
com tanta coisa. Acho que todo mundo me admira”, diz. É então que o
filho intervém na conversa e fala que a repórter Iana tinha acabado de
levar uma queda. “Eu também caí um dia desses no quintal. Fui inventar
de deitar uma galinha”, conta Laiz, mostrando o braço machucado. “Mas
já fiz uma jura a ele (Geovani) que não pisava mais lá”. “Estão
querendo mandar na senhora?”, questiona a reportagem. “Podem querer,
que eu não fico parada. Passo o dia todinho andando”, brinca,
arrancando gargalhadas da pequena plateia.
DESCULPAS
No
fim da conversa, dona Laiz chegou a pedir desculpas pelo tratamento
inicial um tanto ríspido. “Vocês vão me desculpar se eu tratei vocês
mal, é que eu já fico nervosa de tanta coisa. Nesse tempo que ele
(marido) teve doente em Fortaleza e nós ficamos foi tempo lá, depois
veio uma recomendação aqui que não deixasse mais ninguém entrar nessa
casa, a não ser pessoa conhecida. É por isso que eu tenho medo, pessoas
que eu não conheço eu não gosto, não. Mas vocês desculpem aí, porque
mãe é bicho pra sofrer”. Na saída da residência dos Nobre Guimarães,
quem aparece é Laí, que havia pedido para não irmos lá. “Mas vocês são
teimosos”, brinca.