Como era de se esperar, a combinação do julgamento do
chamado mensalão pelo STF com a campanha para as eleições municipais,
tem gerado muita polêmica. Mais ainda porque agora, diferente do
entendimento que se tinha antes, começa a se disseminar a percepção que
de o julgamento – e o vasto noticiário a respeito - incide na formação
de opinião dos eleitores. Vou me permitir, neste artigo, uma opinião a
respeito.
Hipocrisia I
Começo falando das hipocrisias que tem cercado as discussões sobre o
assunto. Primeiro a hipocrisia da direita tradicional do país,
representada partidariamente pelo DEM, PSDB, PPS e assemelhados.
Declarações dos dirigentes políticos destes partidos apresentam o
julgamento como uma evidência de que a corrupção na política brasileira é
obra exclusiva do PT e de Lula, e que esta prática seria extirpada do
cenário político do país com a condenação dos acusados, Zé Dirceu à
frente. Fala-se até em resgate da política no Brasil. Inacreditável,
simplesmente deletam, só para dar um exemplo, a existência do mensalão
de Minas, em torno das atividades do ex-governador Azeredo, do próprio
PSDB.
Chegam a soar patéticas as peças da propaganda eleitoral do candidato do
PSDB na cidade de São Paulo, José Serra, atribuindo ao candidato do PT,
Fernando Hadad, a pecha de ser portador de relações perigosas com
pessoas envolvidas no crime de corrupção em pauta. Um dos condenados no
julgamento do mensalão apóia a candidatura do próprio Serra. O PSDB
chega a apresentar o mensalão como o maior processo de corrupção que já
ocorreu na história do nosso país. No entanto, para sermos justos, o
mínimo que precisa ser dito é que este título é disputado, palmo a
palmo, com a bandalheira com patrimônio e recursos públicos realizada
nos processos de privatização nos governos do tucanato, nos oito anos
que antecederam o primeiro governo Lula.
Esta é a verdade, evidente para qualquer cidadão medianamente informado
em nosso país. A corrupção tem sido marca registrada de todos os
governos e governantes que passaram pelo Palácio do Planalto. Não vale a
pena perder tempo falando de Collor de Mello, mas é preciso registrar
que esta prática foi utilizada com particular intensidade nos governos
do PSDB/DEM /PMBD encabeçados pelo ex-presidente FHC. Isto se pode
observar nos processos de privatização, passando pelas maracutaias para
salvar banqueiros amigos, até a compra de votos no Congresso Nacional
para aprovar emenda constitucional que possibilitou mais um mandato para
o então chefe de governo.
A cumplicidade de boa parte da imprensa nacional (Veja e rede Globo à
frente) que dá guarida a esta versão falaciosa sustentada pela direita
conservadora, apenas serve para nos lembrar de que os grandes meios de
comunicação não estão aí para informar o público. Estão aí para difundir
as informações que atendam aos interesses – quase nunca publicáveis -
dos proprietários destes meios de comunicação. Da mesma forma que alguns
outros meios de comunicação usam os mesmos métodos para defender o
governo e o PT, movidos também por interesses nada republicanos.
Hipocrisia II
Mas há outra hipocrisia em toda esta discussão, e por isso o plural no
título deste artigo. Os defensores do PT e dos acusados no mensalão,
contra todas as evidências e fatos concretos teimam em dizer que não
houve corrupção, que se trata de tentativa de golpe da direita contra
Lula, que tudo isso não passa de invenção da mídia golpista. Com o maior
cinismo, alguns dizem que tudo se resumiu a caixa dois de campanha,
como se combater esta prática não fosse uma das razões que o PT alegava
para a sua própria existência. Fosse isso apenas, e já seria grave o
suficiente para ser repudiado por todos.
E não são apenas os fatos relacionados ao chamado mensalão. Que nome dar
à troca do apoio de Maluf ao candidato do PT em São Paulo, pela
nomeação de um apaniguado deste senhor para um alto cargo do Ministério
das Cidades? Este “afilhado” de Maluf foi nomeado para agregar
competência técnica, preocupação social ao Ministério das Cidades?
Alguém acredita nisso? Que falar dos acordos vergonhosos feitos pelo
Governo Dilma para segurar investigações que poderiam acabar com o
mandato (e muito mais) do senador José Sarney, fato este ocorrido ainda
no ano passado? Cadê a faxina?
E, à exceção do trabalhador comum, que muitas vezes têm em relação à
Lula uma confiança quase messiânica, todos os demais defensores do
legado Lula o fazem com a consciência de que, sim, a corrupção foi um
elemento importante na constituição da base de sustentação do governo
Lula (e agora Dilma). Muitos são dirigentes e ativistas das lutas
sindicais e populares, muitas vezes estão nas lutas dos trabalhadores
junto conosco. Isso é o que causa mais tristeza.
Parecem ter esquecido que no sistema político vigente há séculos em
nosso país, os altos cargos da administração pública são utilizados como
instrumentos dos grupos políticos que estão no poder para oferecer
benefícios – quase sempre pouco lícitos – aos grupos empresariais.
Estes, em troca, financiam as campanhas eleitorais dos políticos donos
dos cargos. O que mudou desta prática nos governos Lula e agora, no
governo Dilma? Nada! O nome disso, caros companheiros, é corrupção. O
mesmo nome que tinha quando o governo era FHC e todos nós, juntos,
denunciávamos esta prática.
Para sermos um pouco mais precisos teríamos de registrar que a corrupção
é parte essencial do sistema político e do sistema de governo da
sociedade capitalista. Apropriar-se dos recursos públicos e/ou usar de
favores dos governantes para potencializar seus ganhos privados é uma
política universal do grande empresariado de todas as partes do mundo.
Qual explicação, se não essa, para a prática generalizada dos bancos e
grandes empresas em investir (sim, o termo é esse mesmo, investir)
centenas e centenas de milhões de reais para financiar candidatos em
todas as eleições?
Identidade política ou ideológica não vale como resposta, pois os
grandes financiadores têm dado dinheiro igualmente para o PT, PSDB, PMDB
(ou outro partido qualquer que apresente chance de ganhar as eleições).
Isso é assim para que, depois, o governante eleito fique comprometido
em atender os interesses - não do eleitor que lhe deu o voto - mas sim o
do financiador que lhe deu milhões de reais (afinal de contas, em
quatro anos haverá outra eleição e alguém terá de pagar sua campanha
milionária).
É preciso, portanto, repudiar sim, com veemência as práticas corruptas
que estiveram presentes no governo Lula e que estejam presentes no atual
governo. Da mesma forma que é preciso, com igual veemência,a repudiar a
corrupção dos governos do PSDB, DEM, PMDB e companhia. Não se pode
admitir a idéia de que por sermos “todos iguais”, seria hipocrisia um
falar da corrupção do outro. Não! Nós não somos todos iguais. Eu sou
dirigente de um partido que não tem nem aceita esta prática, assim como
há muito dirigentes e militantes políticos em outras organizações que
não coadunam com a corrupção.
O STF está frente ao desafio de, além de condenar aqueles contra os
quais haja provas de corrupção no processo em curso do mensalão, também
julgar com celeridade, e condenar aqueles contra os quais haja provas de
corrupção no processo de mensalão de Minas. Isso para não falar de
tantas outras denúncias paradas nos escaninhos da Justiça brasileira. Se
não o fizer, estará apenas confirmando mais uma vez o caráter político,
e não jurídico, da atuação dos tribunais em nosso país.
Fraude
Mas não quero terminar estas linhas sem tocar numa questão que surge do
julgamento em andamento no STF. Uma fraude, gigantesca, que teria sido
praticada contra o país, no Congresso Nacional. O relator do julgamento,
Ministro Joaquim Barbosa, afirmou em seu voto que a aprovação da
Reforma da Previdência em 2003 (além de outras leis importantes
aprovadas neste período) foi garantida na base da compra de votos de
parlamentares. Aliás, a própria Procuradoria Geral da República em sua
denúncia já havia chamado a atenção para a coincidência entre votações
importantes no Congresso e o repasse de dinheiro do esquema do mensalão a
parlamentares.
Já havíamos feito este questionamento antes junto à Procuradoria Geral
da República que, naquele momento, não aceitou dar curso à denúncia.
Confirmada esta hipótese pelo julgamento, estará provado que a aprovação
daquela reforma se deu em base a uma fraude. Uma fraude não pode – pelo
ordenamento legal brasileiro - constituir ato jurídico perfeito.
Teremos então que direitos de milhões de trabalhadores foram e estão
sendo prejudicados por uma lei que não pode ter sua validade mantida,
pois foi fruto de uma fraude. Há que se corrigir esta ilegalidade!
*Zé Maria é metalúrgico, participa da Coordenação Nacional da CSP-Conlutas e é presidente nacional do PSTU
Nenhum comentário:
Postar um comentário