LAGOA DE MONTANHAS

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domingo, 15 de julho de 2012

LUIZ GONZAGA TINHA PARCEIROS POTIGUARES


A relação de Luiz Gonzaga com o Rio Grande do Norte perpassa inúmeros fatos marcantes para a história musical potiguar e do Rei do Baião. Troca de amizades, favores e experiências incalculáveis ao acervo do cancioneiro nacional. Desde a composição Ovo de codorna, em parceria com o potiguar Severino Ramos, à reascensão de "Seu Lua" ao mercado com a produção de seus discos na década de 1980 pelas mãos do mossoroense Carlos André. Também a relação afetuosa com o músico Paulo Tito, parcerias com Elino Julião. Gravação do clássico de Chico Elion, Ranchinho de Páia. Entre outros laços arrochados com o cenário potiguar. Mas a amizade de um sanfoneiro e confidente talvez mereça o maior registro. Foi a pedido do próprio Gonzaga um show em Natal para ajudá-lo nas finanças. E aquela seria a última apresentação dele em público, meses antes de sua morte.


No pátio da Câmara Municipal após receber o título de Cidadão Natalense, em 1979 (esquerda). No finado Machadão, o rei do baião fez show ao lado de Fagner, na década de 1980 (direita). Fotos: Jaime/DN/D.A Press e Moraes Neto/DN/D.A Press
A amizade de Roberto do Acordeon e Luiz Gonzaga começou tímida já na década de 1960. O primeiro encontro se deu na rádio Jornal do Comércio, em 1958. À época, Gonzaga lançava a canção Forró no escuro ("O candeeiro se apagou e o sanfoneiro cochilou..."), e Roberto só olhava o pioneiro do baião. Nos anos de Jovem Guarda, da pegada yeah, yeah, yeah, Roberto e Luiz tocaram várias vezes em circos montados em interiores de Pernambuco. Trocavam uma ideia, acenavam um para o outro e mantinham o coleguismo saudável dos sanfoneiros. Somente em 1976 as antigas Casas Régio fizeram contrato com os dois músicos para uma temporada de quatro shows no Rio Grande do Norte: um em Natal (Praça Gentil Ferreira, no Alecrim), em Mossoró (Festa de Santa Luzia), em Currais Novos e Caicó.

"A época tava boa pra Gonzaga. O jornalista Carlos Imperial inventou de divulgar que um dos ex-Beatles tinha gravado Asa branca. Isso deu uma levantada na carreira dele. E fomos os dois para esses shows", lembra Roberto. E sentencia: "Verdade é que Gonzaga, eu, o sanfoneiro em geral, sempre passamos por cima da moda. Enfrentamos o twister, o tcha tcha tcha, a Jovem Guarda, o Tropicalismo, a Lambada. O forró nunca morreu. E Seu Luiz era perseverante, teimoso. Nunca teve essa de período de baixa, não". Passado alguns minutos de conversa, o próprio Roberto se contradiz. E lembra quando, em abril de 1989, a mulher com quem Gonzaga viveu seus últimos anos ligou para o sanfoneiro: "Roberto, é Edelzuíta. Gonzaga pediu para eu ligar pra você. Ele está precisando os amigos agora. Tem data para ele por aí?".

Roberto era dono do Forró do Sanfoneiro. O espaço marcou época em Natal, localizado na Roberto Freire, onde hoje funciona o supermercado Favoritos. A inauguração foi em 1985. À época foi Roberto quem convidou Gonzaga para o show de estreia. "Liguei convidando. Quem atendeu foi o sobrinho, Piloto. Gonzaga tava dormindo. Acordaram e ele atendeu todo animado. Era sempre assim: perguntava logo como a pessoa estava, se a família tava boa de saúde, sobre a política local. Aí eu disse que tinha feito um negócio e queria a presença dele pra começar. Ele disse: 'Vou e faço um acordo bom pra você: eu toco dois dias e você me paga um'. E esse um ainda foi barato". Roberto lembra mais de três mil pessoas em cada dia. Espaço superlotado. Mas após um aperreio inesperado. "Gonzaga chegou mais de três horas atrasado e com uma dor de barriga danada. Quando chegou entrou direto ao banheiro", relembra o amigo.

O último show

A amizade de Roberto do Acordeon com Gonzagão teve início ainda na década de 1960 e prosseguiu fiel até a morte do rei do baião. Foto: Arquivo pessoal/Divulgação
Foram apenas quatro anos do show de estreia do Forró do Sanfoneiro para o último show da vida de Luiz Gonzaga. "Quando Edelzuíte me ligou eu nem sabia que ele estava doente. Mas nem pensei duas vezes. Aceitei logo e marquei pra semana seguinte. E ele repetiu a mesma proposta do primeiro show: fez duas apresentações e só cobrou uma". Desta vez, o empresário hoteleiro Sami Elali soube da vinda de Gonzaga e cedeu hospedagem gratuita ao Rei do Baião. "Fomos ao hotel pegá-lo para o show. E quando chegamos lá é que vimos a cena: ele de cadeira de roda. Quem estava lá chorou. Não teve como segurar. Aí ele dizia que estava tudo bem e que o show seria um dos maiores. E de fato superlotou de novo os dois dias".

O show foi em maio. Luiz Gonzaga se locomovia em cadeira de rodas decorrente de osteoporose. Morreria três meses depois, em 2 de agosto de 1989, vítima de parada cardiorrespiratória no Hospital Santa Joana, na capital pernambucana. O Forró do Sanfoneiro fecharia um ano depois, quando "o dono do terreno cresceu o olho no lugar". Ainda saudoso do lugar, Roberto se conforma com a frase do amigo Gonzaga: "Ele me dizia: 'Roberto, se esses forrós fossem bom pra negócio eu tinha uns quatro ou cinco lá no Rio e São Paulo, porque fui eu quem levou o forró pra lá". Mas fato é que enquanto durou, o Forró do Sanfoneiro foi rentável. O delegado Sérgio Leocádio, que escutava a conversa, confirmou: "A boemia natalense ia pra lá. E Roberto inovou colocando pela primeira vez no banheiro da mulher, cotonete, absorvente e batom".

A ingratidão
Roberto é seco quando critica "aproveitadores" do centenário de Luiz Gonzaga, celebrado este ano. "Tem muita gente se aproveitando disso pra ganhar dinheiro; gente que nuncadeu a mínima pra ele". No enterro narrado como fato épico pelo amigo, Roberto lembra da "ingratidão" de três renomados artistas nacionais sempre apoiados por Gonzagão: Fagner, Elba Ramalho e Gal Costa.

"Foi o maior enterro que este Brasil já viu. Na morte de Tancredo Neves o país parou por quatro dias. No de Gonzaga foram cinco. Nunca houve isso". O sanfoneiro lembra que o corpo foi velado na Assembleia Legislativa do Recife e de lá seguiu para o aeroporto da cidade acompanhado por uma multidão, rumo à cidade do Crato, no Ceará, vizinha a Exu, com mais quatro dias de luto.

"A gente ligava a Rádio e ouvia o locutor conversando com Fagner, que estava em Brasília: 'Fagner reserve um tempinho entre os seus shows e venha dar seu último adeus a Gonzaga'. Nem veio ele, nem Elba nem Gal. Os três tinham gravado com ele não fazia muito tempo. As irmãs de Luiz me disseram que Luiz não tinha feito por elas o que fizera por esses três". E foram lá Alcimar Monteiro, Dominguinhos...

O amigo
Quando a amizade de Roberto e Gonzaga se estreitou em 1976, o filho de Januário pensou em presentear o amigo com uma sanfona novinha. "Todo ano ele ganhava bem três de uma empresa gaúcha porque Gonzaga teve um chamego com a dona. Mas quando ele e viu eu tava com uma sanfona Scandale Super 6, da antiga, que era a melhor. Foi a primeira do Nordeste deste tipo. Aí ele disse: 'Pensei que você tivesse pendurado num fio de cabelo, rapaz. Mas você tá é rico'".

Foram incontáveis as vezes que Gonzaga almoçou ou jantou na casa de Roberto. Quando se apresentava pelas redondezas do Rio Grande do Norte parava por lá. Dormiu só duas vezes. E foi acompanhado cada vez com uma mulher diferente. A primeira vez foi com Edelzuíta. E na segunda, com Helena, com quem foi casado. "Quando ela entrou em casa, ele botou o dedo na boca e fez o sinal de silêncio, pra eu não contar nada de Edelzuíta pra ela".

O romance de 13 anos com Edelzuíta Rabelo foi confidenciado por Gonzaga à imprensa já perto de sua morte, a pedido de Edelzuíta, que queria evitar atritos com a primeira esposa de Gonzagão, Helena das Neves, ainda viva na época. "Pode botar aí no jornal que o charme da minha vida agora é Edelzuíta!", disse o Rei do Baião, que morreu nas mãos dela tempos depois.

O conselheiro
Se Roberto ajudou Gonzagão no fim da vida, o passado também mostra o contrário. À época do "festão" armado para sua volta a Exu, cidade de origem, Gonzagão ligou e convidou Roberto: "Só tou chamando os amigos", ele me disse. Corria o ano de 1983. E na mesma oportunidade foram inaugurados na cidade o campo de aviação e o museu de Exu.

Em outra oportunidade, no famoso restaurante O Laçador, em Boa Viagem, se apresentavam as grandes estrelas da música nacional. "Só não foi Roberto Carlos porque sempre foi cheio de frescura pra ir aos cantos. Mas Gonzaga me recomendou para o dono e findei tocando lá também. Mas antes ele me aconselhou: 'Chegue lá humilde. Mas se não lhe respeitarem dê de importante porque Deus fez a gente sanfoneiro e nosso feijão com arroz a gente traz de qualquer outro lugar'".

Roberto diz que leva este conselho onde quer que vá. Se orgulha em nunca ter se dobrado à nova música, às novas modalidades do forró, ou mesmo de nunca ter tocado um instrumento eletrônico. E mais ainda: de já estar passando a arte da sanfona ao herdeiro, Robertinho do Acordeon.

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