LAGOA DE MONTANHAS

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segunda-feira, 19 de novembro de 2012

POVO DE PERNAMBUCO SOFRE COM A SECA

Em Sertânia, Rozenildo não conseguiu pagar parabólica, agora tem TV sem imagem / Foto: Ricardo B. Labastier/JC Imagem

Em Sertânia, Rozenildo não conseguiu pagar parabólica, agora tem TV sem imagem

Foto: Ricardo B. Labastier/JC Imagem

Há anos, Pernambuco desfruta de uma situação econômica confortabilíssima, exaltada nas indústrias instaladas, no crescimento imobiliário e na Arena da Copa. Tal crescimento, que fez do Estado uma espécie de Eldorado, não está refletido no Semiárido, que sofre sua pior estiagem em 40 anos. De hoje até terça (20), o Jornal do Commercio traz as histórias daqueles que, convidados a participar do consumo festejado pelo mercado, precisam optar entre alimentar a família e os animais ou manter os bens que adquiriram quando a seca parecia ser um problema do passado. Não fazem parte, hoje, das abastadas classes A ou B, nem das cobiçadas C, D e E. A eles, restou participar da classe seca.

Quando Edilma e Rozenildo se mudaram para a Fazenda Xilili, em Sertânia (380 quilômetros do Recife), a vida parecia boa: recém-casados, eles esperavam uma filha (Eloá, hoje com 2 anos) e deixavam Arcoverde, onde não havia trabalho, para morar de graça em uma das modestíssimas casas da fazenda. Em troca, tinham que cuidar dos animais e plantações de um proprietário que não se comprometeu a pagar qualquer salário, mas permitia que a família cultivasse hortas e criasse ali suas duas únicas cabras. No primeiro ano, foi possível colher melancia, feijão, milho, jerimum. Compraram mais animais. Rozenildo, vaqueiro de 23 anos, também se candidatava a pegar boi na caatinga, o que lhe garantia alguma renda: chegou a receber R$ 500 depois de capturar um animal dos mais brabos. Quando a paisagem começou a se ressentir dos meses sem chuva, eles não deram muita importância: há anos, aquilo não acontecia.

Seguiram investindo o pouco que tinham em algum conforto. A televisão antiga quebrou, foi para o conserto, voltou, quebrou de novo. Aproveitaram e compraram outra, menor, com ela veio a parabólica necessária para ver o que se passava no mundo. Os equipamentos saíram por R$ 250, ambos de segunda mão. Em outubro deste ano, quando completou-se um ano sem qualquer gota de água caída do céu, Edilma, 22, viu o marido devolver a antena ao antigo dono. Não conseguiram pagar por um dos únicos bens de consumo que adquiriram naqueles dois anos trabalhando pesado. Pareciam estar impedidos de entrar naquele brilhante universo exaltado tanto na propaganda do governo quanto nos jornais e na TV, aquele mundo de consumo que sugeria trazer felicidade instantânea a quem dele participasse. Por instantes ele pareceu possível, mas faltou água. Logo, o Estado dos grandes investimentos, da refinaria e do estaleiro, o Eldorado das grandes fábricas e das rodovias, foi totalmente ofuscado pela paisagem magra e ressentida, por todas as cabras vendidas, por aquela pequena TV sempre apagada.

Eloá, Edilma e Rozenildo fazem parte dos mais de um milhão de sertanejos pernambucanos afetados por aquela que é considerada a pior seca dos últimos 40 anos no País. Eles não são novidade para nós: conhecemos bem seus rostos e histórias, conhecemos o cenário repleto de galhos secos que os envolve. São, todos eles, de tão cristalizados em nosso imaginário, verdadeiros mitos – e mitos não são fáceis de serem repensados.

Ao mesmo tempo, Eloá, Edilma e Rozenildo fazem parte de uma seca nunca vista no Brasil nem em Pernambuco: é a seca que acontece em um Estado que, entre 2007 e abril de 2012, recebeu ou expandiu 192 indústrias atraídas pelos benefícios fiscais do Programa de Desenvolvimento do Estado de Pernambuco (Prodepe). É a seca que acontece, quase obscenamente, no mesmo Estado que arrecadou, no mesmo período, cerca de R$ 2,214 bilhões em investimentos trazidos por essas mesmas empresas, geradoras, de acordo com números divulgados pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, de quase 24 mil empregos.

Esses números, que parecem transformar Pernambuco em uma espécie de Eldorado nordestino, esvaziam-se frente à imagem de Rozenildo puxando um burro magro e sem nome sob o sol intenso das estradas de Sertânia. O animal carregava Edilma e Roseni, bisavó de Rozenildo, além de Eloá, que dormia enquanto sua família voltava de uma visita ao distrito de Cruzeiro do Nordeste. Procuravam uma casa para morar, já que a seca inviabilizava qualquer trabalho na Xilili.
As 12 cabras – no momento em que acreditavam fazer parte das novas classes cortejadas pelo mercado, compraram mais 10 animais – foram vendidas, de tão magras, pela metade do preço. “Na rua é mais fácil arrumar qualquer bico”, diz o rapaz, preparando-se para trocar o nada absoluto da fazenda pelo quase nada do distrito – e o quase é a esperança de encontrar algum trabalho e consequentemente, dinheiro. Uma semana depois da entrevista, saíram da Xilili para morar em uma casa de taipa que precisou sofrer reparos. Estava muito velha. Roseni seguiu com eles: não tinha mais a horta, vendera suas 20 cabras. Edilma estava feliz. “Na fazenda, eram apenas nós, os bichos e a seca. E o sol.”

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