Neste final
de ano, com a Igreja Católica e o mundo sacudidos por este furacão
promovido pelo Papa Francisco, é natural nos perguntarmos sobre o que
vem por aí. E o papa já deu indicações precisas em seu documento que
saiu no final de novembro, a Evangelii Gaudium (Alegria do evangelho). O amor em primeiro lugar
A
coisa mais importante para Francisco é o amor gratuito de Deus por nós.
E a pessoa que se sabe muito amada é levada naturalmente a amar muito.
Quem sabe que foi amado de forma gratuita, sem ter necessidade de dar
nada em troca (e quantos de nós não dariam a vida para viver um amor
assim!) não apenas ama muito, mas ama a todos. Se vocês querem ser
alegres, felizes – diz o papa – se abram ao amor gratuito e imenso de
Deus – e, se fizerem isso, não apenas compreenderão que Deus existe e é
bom, mas também se sentirão levados a amar a todos.
AP
O Papa Francisco durante a celebração da Missa do Galo, no Vaticano
O papa está disposto a pôr todo o resto em questão
para que cada um viva esta experiência de amor. Isto não implica
abandonar as normas do catolicismo, mas sim colocá-las no devido lugar –
isto é, a serviço do amor, e não acima dele. Todas estas questões que
sempre atraem a curiosidade e ocupam espaço na mídia são secundárias
diante do amor de Deus. Mas, como atraem e incomodam, vamos a elas.
O papa vai mudar radicalmente a estrutura do Vaticano?
Tudo
leva a crer que serão feitas grandes mudanças na estrutura da Cúria
Romana – que começarão já em 2014. O que já está claro é que haverá um
aprimoramento e fortalecimento dos órgãos de gestão e controle
financeiro do Vaticano e que as mudanças virão respaldadas pelas
propostas do conselho de oito cardeais que Francisco instituiu para
assessorá-lo nesta e em outras questões.
O problema não é que a
cúpula da Igreja está imersa num mar de lama, corrupção e ineficiência –
como pensamos ao ler certos artigos. Muita coisa boa e bem feita
acontece no Vaticano, porém a estrutura está “inchada”, difícil de
administrar e controlar, criando muitos órgãos pouco necessários ou
ineficientes. Além disso, o papa tem deixado claro que espera uma Igreja
que dê um exemplo maior de pobreza e humildade. Por isso o processo de
reforma deverá reduzir a estrutura, tornando-a mais “pobre”, mais
eficiente e mais próxima das pessoas.
E os escândalos de pedofilia
e a condenação dos padres pedófilos? Esta questão, no nível de
responsabilidade do papa e do Vaticano, já foi totalmente resolvida por
Bento XVI. A Igreja indica “tolerância zero” para os religiosos
pedófilos e considera que eles devem responder por seus crimes junto à
Justiça de seus países, como qualquer cidadão. Eventuais problemas que
ainda possam surgir referem-se agora à administração local destes casos,
quando eles se tornam conhecidos. O celibato dos padres e a ordenação das mulheres casadas
O
celibato não é constitutivo do sacerdócio na Igreja Católica, ainda que
a opção pelo celibato – isto é, não se casar para entregar-se mais a
Deus – sempre tenha havido no cristianismo. A obrigação do celibato para
todos os padres vem do século XII e aconteceu porque se percebeu que os
padres celibatários desempenhavam melhor suas funções e praticavam de
forma mais pura a imitação de Cristo.
Ainda hoje os documentos da
Igreja têm mantido esta posição em relação ao sacerdócio e ao celibato.
Isso não implica a impossibilidade de se vir a aceitar, no futuro, que
haja padres casados, se esta opção for boa para a vida da Igreja, o que
não quer dizer que celibato para os padres esteja obrigatoriamente
acabando.
As declarações das autoridades eclesiais – inclusive
próximas ao papa Francisco – vão todas neste sentido. Além disso, é bom
notar que a tendência mais provável seria a de aceitar a ordenação de
homens casados (como acontece nas Igrejas Católicas Orientais) e não de
liberar os padres da obrigação do celibato, cedendo a uma pressão de
grupos que fazem “lobby” neste sentido.
A ordenação de mulheres
foi claramente negada pelo papa Francisco em seu último documento. Neste
sentido, o papa abriu uma porta de outro tipo, reconhecendo que é
necessário se fazer uma reflexão sobre o papel da mulher na Igreja. Na
prática, ao longo da história, muitas mulheres agiram com autoridade
dentro da Igreja, influenciando papas e redefinindo os rumos da
história. Trata-se de um papel próprio, que lhes cabe e que não se
confunde com o sacerdócio, mas que deve ser estudado e reconhecido de
forma adequada, segundo as reflexões de Francisco.
A Igreja – e o
papa Francisco – considera o sacerdócio como um serviço ao qual se é
chamado e não como um direito a ser reivindicado. Pensar o sacerdócio
como direito poderia implicar em por o padre numa posição de
superioridade frente aos demais católicos, deturpando a sua missão. Daí
que as pressões para permitir que os padres se casem ou que as mulheres
sejam ordenadas tende a ter, na Igreja, o efeito contrário ao esperado:
quanto mais pressão, menor a chance de alguma coisa acontecer nesta
linha. Com relação aos casados em segunda união...
Um
tema particularmente delicado é o da comunhão dos casados em segunda
união. Atenção: os divorciados que não contraem um segundo matrimônio ou
aqueles que tiveram seu casamento reconhecido como nulo pela Igreja
podem comungar! Mas a Igreja considera que os divorciados que se casam
novamente estão numa situação de pecado que não lhes permite tomar a
comunhão.
Ora, vem argumentando o papa, mas Cristo veio para os
pecadores e não para os perfeitos (que, aliás, não existem – todos somos
pecadores). Então a Igreja existe também – ou principalmente – para os
casados em segunda união, para os que não estão vivendo segundo as
normas – mas que desejam encontrar o amor de Deus. E aí, pergunta o
papa, o que estamos fazendo para acolher a estas pessoas? Afinal, Cristo
disse que haveria mais alegria no Reino dos Céus por um pecador que se
arrependa que por 99 justos que não necessitam de arrependimento.
Nesta
polêmica da comunhão aos casados em segunda união, o Papa Francisco tem
dados duas mensagens claras: (1) se você ESTÁ casado em segunda união, a
Igreja também é para você, venha e ocupe seu lugar; (2) se você NÃO
ESTÁ casado em segunda união, deve amar e ajudar aos casados em segunda
união e não ter uma posição moralista que os afasta da Igreja. ... e aos homossexuais
Com
relação aos homossexuais, o papa aplica um velho princípio cristão: a
Igreja condena o pecado, mas ama o pecador. E não nos esqueçamos de que
somos todos cheios de pecados – de forma que não se trata aqui de ficar
procurando se justificar dizendo que o pecado do outro é maior que o
nosso. Em seu documento “Evangelii Gaudium”, o grande pecado denunciado
pelo papa é explorar o pobre, colocar o lucro acima da pessoa!
Francisco
deixa claro que defenderá o direito da Igreja de dar um juízo sobre o
que é mais adequado para a pessoa e que condena o que chama de
“relativismo moral”. Mas também deixa claro que o mais importante é que
cada um se sinta amado e acolhido por Deus, seja heterossexual ou
homossexual. Assim, os homossexuais – e todos os que hoje se sentem
afastados da Igreja – podem ter certeza que toda a comunidade católica
está sendo chamada a acolhê-los e a estar próxima deles. *Francisco Borba Ribeiro Neto é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP
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