O Fantástico volta ao sertão da Bahia, onde, no domingo (14), você
conheceu a história de Silvânia e Gerôncio. O casal teve os cinco filhos
tirados à força de casa e entregues para famílias em São Paulo. O
repórter José Raimundo encontrou outros casos de mulheres que foram
enganadas por agenciadores e nunca mais viram os filhos.
Vilarejos do sertão baiano, comunidades que convivem com a seca,
onde a renda média não chega a um salário mínimo. A região de Monte
Santo foi escolhida por uma quadrilha que há mais de cinco anos atua no
tráfico de crianças.
Mães de famílias pobres, pouca instrução, baixa ou nenhuma
escolaridade, solteiras de preferência, são os alvos da quadrilha,
segundo a Justiça. Uma das vítimas mora em uma casa na zona rural de
Monte Santo.
Marivalda tem 25 anos, quatro filhos. Três moram com ela. Na
última gravidez, concordou em dar a caçula para a adoção. E ela foi
iludida com a promessa de que sempre poderia rever a filha.
“Ela falou bem assim: não se preocupe, nós vamos trazer sua
filha. Quando nós viermos, vamos fazer uma reforma na sua casa”, lembra
Marivalda.
Mas a promessa não foi cumprida. Há três anos, Marivalda não vê a filha.
“É meu sonho ver a minha netinha nos meus braços, fazendo carinho, juntamente com ela”, diz o avô da criança.
Para os avôs da menina, parece que esses três anos não passaram.
“O meu sentimento ainda hoje nunca saiu do meu coração. Aquela
dor, aquela angústia”, afirma o avô, que nem chegou a conhecer a neta
direito, mas sente falta dela. “Sinto falta dela. Misericórdia, não é
bom nem de falar isso aí. Eu estimo a minha família, eu choro com a
minha família”, acrescenta ele.
Há um ano, foi Eunice quem entregou a única filha. Em troca, a
mesma promessa de que a menina não sumiria da vida da mãe.
Em outro povoado, foram levados uma menina de 2 anos e o irmão
dela, ainda bebê. A mãe, Odília, teve um ponto fraco descoberto pela
quadrilha: foi ameaçada de ser presa porque seu companheiro era usuário
de drogas.
Com medo de ser presa, Odília entregou as duas crianças.
“Enquanto levou, com mais uma semana, para duas semanas, ainda
tinha notícia. Eu ligava e ela ainda atendia. Depois, comecei a ligar e
ouvia ‘telefone não existe’”, acrescenta ela.
São três mulheres que perderam filhos que estão vivos. Três mães
que dariam tudo para saber onde e como suas crianças estão crescendo.
“Tem horas que eu fico só pensando e choro. Em outras horas, eu
fico com o coração assim, só abafado, não consigo chorar”, lamenta
Odília.
O Ministério Público afirma que tudo nessas histórias é ilegal.
“Foi feita a entrega das crianças pela família biológica, mas
sem o necessário processo de adoção”, explica o promotor Luciano
Ghignone.
Há suspeitas de que as quatro crianças foram levadas com
documentos falsos. De acordo com as investigações, as falsificações
podem ter sido feitas no fórum de Monte Santo.
O promotor não tem dúvida de que há uma associação criminosa voltada para o agenciamento e tráfico de crianças.
O atual juiz de Monte Santo não descarta uma infiltração da
quadrilha no serviço público. E, por isso, mandou fechar os cartórios de
registro civil e da vara criminal. Ele tem medo de que as provas sejam
adulteradas ou simplesmente sumam.
Agora, preste atenção em dois nomes que aparecem nos depoimentos das mães: Carmem e Edite.
Marivalda conta que, há alguns meses, pediu a Edite o telefone e
o endereço de Carmem. Edite teria ajudado Carmem a levar os filhos de
Marivalda.
A equipe do Fantástico encontrou Edith de Jesus no restaurante dela. Ela nega ter apresentado Carmem para as mulheres.
“Quero que elas digam a mim que eu apresentei. E, se eu disser
ao senhor para me dar esse aparelho, o senhor é obrigado a dar?”,
argumenta Edite.
A outra mulher é Carmem Topschall, acusada de ser a principal
intermediária. É a mesma mulher que você viu no Fantástico domingo
passado (14).
Ela conversou com a equipe do Fantástico sobre o caso de
Silvânia e Gerôncio. Eles tiveram os cinco filhos entregues, de uma hora
para outra, para casais paulistas.
“Eu apareço no processo porque acompanhei o pessoal. Levei e
mostrei o caminho, mas eu não fui intermediária”, defende-se Carmem.
Outro elo entre as histórias de Monte Santo é o juiz Vítor
Manoel Xavier Bizerra. Foi ele quem mandou retirar à força, de dentro de
casa, as crianças de Silvânia.
E era ele o juiz quando as outras três mulheres perderam seus filhos.
O Conselho Nacional de Justiça orientou o Tribunal da Bahia a investigar Vítor Bizerra.
“A escala de punições que um juiz está sujeito é advertência,
censura, disponibilidade e aposentadoria compulsória com vencimentos
proporcionais”, diz o presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Mário
Alberto Hirs.
Domingo passado (14), o juiz não quis falar. Mais uma vez, a equipe do Fantástico tentou uma entrevista com ele.
“Eu estou resolvendo algumas coisas, eu não estou disponível para conversar agora”, diz Bizerra.
A equipe do Fantástico voltou aos endereços dos casais paulistas
que estão com as cinco crianças. De novo, ninguém atendeu.
Agora, o atual juiz de Monte Santo trabalha na revisão dos
processos. Ele vai decidir se Gerôncio e Silvânia terão ou não os filhos
de volta.
Silvânia garante que está preparada para cuidar das crianças.
“Tenho condições, com a ajuda dos meus pais e do pai das crianças. Todo
mundo está disposto a ajudar”, diz ela.
Decidida mesmo, por enquanto, só a devolução da fiança paga por
Josias Firmino de Souza, o avô paterno, quando Gerôncio foi preso ao
reclamar no Conselho Tutelar a falta de notícia dos filhos. Seu Josias
precisou vender a casa para conseguir os R$ 5 mil estipulados para a
soltura de Gerôncio.
A Secretaria dos Direitos Humanos, ligada à Presidência da
República, identificou dez irregularidades praticadas pelo juiz Vítor
Bizerra. E a CPI da Câmara Federal, que investiga o tráfico de pessoas,
anunciou que vai apurar as denúncias.
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