Quem me conhece e acompanha já me ouviu falar sobre Rubens
Lemos (foto), o comentarista esportivo.
Sabem que foi ele que me proporcionou a primeira grande,
incalculável alegria de ser “elogiado na rádio”. Parece bobagem? Mas na época não era.
E no outro dia, na rua, Aparício Menezes de Carvalho, Beijinha,
Zé Sapateiro e outros sessentões da Cidade Alta me tratando diferente,
comentando...o galego (eu) foi elogiado por Rubens Lemos, diziam admirado.
Alguns nem sabiam que eu jogava no Força e Luz de Ranilson
Cristino.
Depois, já profissional, 'arengueiro', era a voz de Rubens
Lemos, única, no rádio que se levantava para me defender quando era expulso por
colocar o dedo em riste na cara de um árbitro.
Foi sua única voz que ouvi acreditar no meu pleito quando escrevi uma carta
endereçada ao presidente do Alecrim (publicada no Diário de Natal), time que eu já defendia na época,
destratando esse presidente por suas promessas não cumpridas.
Quase todos me criticavam, zombavam até, dizia um que a “carta”
não podia ter sido escrita por mim (claro, jogador de futebol tem que ser
analfabeto), e imaginavam ali uma armação de dirigentes querendo me tirar do
Alecrim.
Rubens Lemos não. Ele acreditou e defendeu que o texto era meu, que a
vontade era minha, que a indignação era minha. Ele já conhecia, sem me
conhecer, um pouco de minha alma.
Rubens Lemos já havia notado que eu jogava no “seu time” e
me defendia sempre, mesmo quando para isso tinha que contradizer o que acabara
de afirmar um colega seu de microfone, muitas vezes na mesma resenha esportiva.
Era sim.
Por isso, no espaço do blog, reproduzo uma carta de gratidão
do ex-jogador Lerson Fernando, hoje diretor do IFRN da Cidade Alta, meu amigo,
endereçada a nosso amigo comum, Rubinho, filho do Rubão.
Vejam abaixo:
História solidária
Data: 04 março 2013 - Hora: 18:05 - Por: Rubens Lemos Filho
Peço licença ao leitor para transmitir uma mensagem que
surpreende pela coragem do autor em ser grato. Sim, a gratidão hoje é um
chicote de ousadia no mundo de tanta falsidade e conveniência. É uma história
sobre o meu pai. Caiu na caixa de e-mail enquanto pensava, no sábado, o que
Rubão(falecido em 1999), faria aos 70 anos.
Sempre alegria e gesto, brandindo sua espada de
autenticidade. Sem ódio nem recalque. E sofreu um bocado. Ridicularizando os
seus carrascos. Estaria esbanjando os valores expostos pelo professor Lerson
Maia, diretor do IFRN da Cidade Alta. Para mim sempre Lerson, menino promissor
do ABC. Saudade danada.
Amigo Rubinho,
Inicio este depoimento com certa intimidade, ao chamá-lo de
amigo, e ainda denominá-lo no diminuitivo, Rubinho, haja intimidade. Acredito
que tudo isso está relacionado com a importância que seu pai, Rubens Lemos,
teve e tem em relação à minha vida. No velório, ali na rua São José, relatei em
poucas palavras, até porque o momento não permitia uma longa conversa, a
importância do seu pai na minha vida.
Estávamos vivendo
1981 e o ABC treinava na sua antiga sede e também concentração, em Morro
Branco. Vivíamos em fase de transição para iniciar em definitivo os
treinamentos em Ponta Negra. Era sábado pela manhã, em torno de 11h30, após a
tradicional e atualíssima recreação.
Os jogadores se reuniam na recepção da sede para receber
algum bicho (denominação da gratificação recebida pelos jogadores e comissão
técnica por vitória ou empate) atrasado ou adiantamento de uma parcela do
pagamento do salário mensal. Como se dizia na época, tinha jogador que era
enxada, ou seja, comia na frente, ou melhor, recebia o salário adiantado,
quando chegava o final do mês não tinha mais nada para receber.
No entanto, neste período o ABC passava por uma senhora
crise financeira, acho que uma das piores passadas pelo clube nas ultimas
décadas. Estávamos com os salários e bichos atrasados. A situação era tão
complicada que alguns jogadores de fora do estado, estavam indo fazer refeições
nas casas dos jogadores da terrinha. Esta situação possibilitou uma forte
amizade entre o grupo, o que refletia no campo, que mesmo passando por uma
crise profunda financeiramente, ganhávamos os jogos e se jogava um excelente
futebol.
Neste dito sábado, estava eu na recepção, na presença de
vários jogadores, bastante ansioso, porque o bicho que iria receber seria destinado
para pagar a inscrição do vestibular em Educação Física, que encerraria o
período de inscrição na segunda-feira seguinte. Para a surpresa desagradável de
todos nós jogadores e familiares, o diretor do ABC, Edmilson Teixeira, irmão do
então presidente do clube, Edson Teixeira e o Fernandinho, irmão do ex-senador
João Faustino, ambos diretores de
futebol, chegaram à recepção e informaram que o dinheiro que tinha sido
solicitado por empréstimo para realizar o pagamento não tinha sido liberado
pelo banco e que somente no próximo sábado sairia o pagamento dos bichos
referentes às vitórias sobre os saudosos Força e Luz e o Ferroviário.
Neste momento a casa caiu sobre minha cabeça: Como eu iria
fazer a inscrição do vestibular se não recebesse aquele dinheiro? Papai, pobre
relojoeiro, já tinha me informado que estava sem dinheiro para que eu pudesse
realizar a tal inscrição. Fiquei desesperado, porque iria perder a oportunidade
de fazer o vestibular, e perderia todo o esforço e tempo que fiz ao ter
estudado durante o ano, no antigo e tradicional cursinho Pré-vestibular Ferro
Cardoso, ali em frente a Praça André de Albuquerque.
Mas permaneci esperançoso. Fiquei na recepção à espera dos
diretores para tentar sensibilizá-los pela minha causa. A sala da presidência
estava com vários diretores reunidos. Aos poucos foram saindo os diretores e eu
os abordava contando minha história e demonstrando o desespero que me
encontrava, prestes a perder o vestibular.
De todos recebia a péssima resposta que infelizmente não
poderia fazer nada, porque o banco não tinha liberado o empréstimo e eles
também não tinham dinheiro para fazer o adiantamento para que eu pudesse fazer
a tão sonhada inscrição (grande mentira, todos eram empresários bem sucedidos,
que com certeza teriam o que equivale hoje a oitenta reais).
Já cansado de receber respostas negativas e quase sem
esperança, sai da sala da presidência o jornalista Rubens Lemos, que na época
se não estou enganado, exercia a função de assessor de imprensa do ABC e, em
tese, o que teria a menor possibilidade de emprestar o dinheiro para que eu
pudesse fazer a tão sonhada inscrição no vestibular. Pensei até em não
abordá-lo, porém, o desespero era tanto que pensei comigo que o máximo que
poderia receber era outro não.
No entanto, surge o homem na maior plenitude da palavra e do
significado que esta palavra pode ter. Ao me dirigir a Rubens Lemos e contar
minha situação ele olhou para mim, apertou minha mão, perguntou qual seria o
curso que iria tentar o vestibular e disse: “Me acompanhe até o carro”; e não
somente repassou o dinheiro da inscrição, como também o dinheiro equivalente às
passagens de ônibus.
Amigo Rubinho, eu não preciso contar mais nada! Passei no
vestibular, logo em seguida deixei de jogar futebol profissional, fui jogar por
hobby no Riachuelo Atlético Clube, integrando uma das melhores equipes formada
pelo saudoso RAC. No início dos anos 80, fui ser professor da rede pública
estadual, e em seguida fiz três especializações. Sou professor concursado desde
1991 do atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande
do Norte- IFRN, antiga Escola Técnica, hoje com mestrado em Educação. Sou
consultor e formador do Ministério do Esporte, atualmente estou Diretor do
Câmpus Natal Cidade Alta/IFRN.
Devo muito desta trajetória ao teu pai, exemplo de homem
público, como dizia Ortega y Gasset, “o homem é o homem e suas circunstâncias”.
Um jornalista que soube, assim como o mestre João Saldanha, alinhar o
equilíbrio humanista de justiça social com a visão crítica sobre o futebol, o
homem que imerso na euforia das conquistas do futebol brasileiro até os anos
1980, sabia como ninguém refletir sobre a sociedade brasileira. Parabéns pelo
pai que você teve, ou melhor, que você tem. Os pais nunca deixam de existir,
mesmo quando deixam esta existência.
POR EDMO SINEDINO
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